quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Voo 2096 O MEU NATAL EM 1946.




António Dâmaso
Sarg.Mor Paraqª
Azeitão


NATAL DE 1946

Na época eu era o sétimo filho de uma série de oito, tinha 6 anos quando se aproximou aquele Natal.

O meu pai tinha uma profissão que chamavam de pedreiro, construía casas em taipa, alvenaria e fazia muitas outras coisas de abegão, carpinteiro, serralheiro, ferreiro, fazia tudo o que era necessário e naquele inverno até foi fazer carvão para ganhar dinheiro para comprar coisas que faziam falta porque para comer, havia uma arca muito grande com sacas de milho, talegos com grão, feijão, chíxaros, ervilhas, favas, ao lado da arca uma pilha de batata-doce e havia uma salgadeira cheia de carne de porco, também havia couves na cerca.

Eu ia com a minha mãe para umas filas para comprar sabão, petróleo e outras coisas que eram precisas e ouvia as pessoas mais velhas falar em racionamento e que era por causa da guerra.

Naquele ano aprendi que existiam algumas ervas e plantas que se comiam e sabiam bem, eram Saramago parecidos com as nabiças, uns cardos que depois de lhe tirarem os picos e as ramas ficavam os troncos a que chamavam de tengarinhas, uns rebentos dos tojos que chamavam de espigo ou espargos, as púcaras, os bletos ou míscaros, enfim tantas outras coisas que sabiam bem

Tinha uma grande amiga que se chamava Zéquina, a Zéquina era nada mais nada menos que uma gata, o meu pai não gostava nada que a gata dormisse na minha cama mas esta matreira, quando todos estavam deitados com a luz apagada, ia-se enfiar de baixo das mantas junto de mim e eu ficava muito contente.

Havia uma amizade muito grande entre mim e a Zéquina, andávamos atrás um do outro, até se dizia por graça que eram-mos o “Roque e a amiga”, quando eu ia brincar com os outros “moços”, a Zéquina ficava pacientemente à minha espera.

QUEM NÃO TEM CÃO CAÇA COM GATA

Um dia a Zéquina começou a miar e a chamar-me para a seguir, fui atrás dela para um restolho perto de casa e começou a caçar, eu sentei-me ela de vez em quando olhava para mim como a dizer, aprende é assim que se faz, daquela vez só caçou uns gafanhotos.

A Zéquina tinha uma gateira na porta por onde entrava e saia quando lhe apetecia, como naquele ano a Zéquina começou sentir necessidade aperfeiçoar os seus dotes de caçadora, resolveu dar uma ajuda era assim que algumas vezes saia para caçar, cotovias e calhandras, comias logo mas as lebres que eram do tamanho dela, levava-as para casa e aí toda a gente comia.

O meu pai resolveu seguir o exemplo da Zéquina, agarrou no seu trabuco de atacar pela boca e lá foi apanhar umas peças de caça que davam para comer-mos e para vender a caça que eu gostava mais era de perdiz.

A Zéquina era danada para a brincadeira, brincava muito comigo, mas não queria brincadeiras com os outros moços por estes lhe puxarem o rabo e ela miava que se fartava e arranhava-os aí eu ficava pior que estragado e durante umas horas não brincava mais.

A ZÉQUINHA QUERIA IR À IGREJA À MISSA DO GALO

Na véspera de Natal à noite, a família toda arranjou-se para ir à Aldeia a uma missa que chamavam de consoada ou missa do galo, a Aldeia não era longe mas como tinham de ir em Zig Zag por azinhagas e outeiros ficava um pouco mais longe, a estrada ainda não tinha sido construída, andavam a construir uma estrada que ia para o Algarve e que hoje chamam N120 e passava a menos de 20 metros da minha casa.

Saímos todos de casa e lá fomos, quando já estávamos no adro da igreja, o meu pai descobriu a Zéquina que nos tinha acompanhado e estava preparada para entrar também na Igreja e não ficou nada satisfeito, pegou nela e foi mete-la em casa, tapou a gateira para ela não sair e voltou para a missa, eu achei muita graça à minha amiga e nunca mais me esqueci daquele Natal.

O facto de haver chaminé e não haver sapatos nem botas para lá pôr, não haver prendas, não fazia mal porque eu contentava-se com as filhoses e com o Arroz de galo de que gostava muito da carne do peito.

Na minha casa não havia árvore de Natal, nem sabia o que isso era, mas presépio havia todos os anos que eu ajudava a construir indo apanhar musgo.

Brinquedos, não eram problema arranjava-se sempre alguma solução para brincar, inventávamos os nossos brinquedos segundo a nossa imaginação ainda que algumas vezes os irmãos mais velhos não achassem piada e aí, acabava logo a brincadeira.

Este foi o Natal da minha infância que me ficou na memória.

Tenham um Natal muito feliz, com muita saúde e como vêem para ser-mos felizes não necessitamos do consumismo.

Saudações Aeronáuticas

A. Dâmaso