António Dâmaso
SargºMor,Paraqª.
Azeitão
GADAMAEL PORTO (3)
Legenda:No meio do mapa à direita situa-se Gadamael Porto perto da Fronteira, onde as Anti-aéreas “cantavam”
Foto:António Dâmaso(direitos reservados)
PONTUALIDADE
Ao longo da minha vida sempre tenho procurado ser pontual, estávamos no “inferno” de Gadamael Porto onde diariamente éramos brindados com várias flagelações de armas pesadas diversas, os ataques eram tantos que já estava habituado aos seus horários, no entanto em virtude da sua precisão, todas as granadas caiam dentro do aquartelamento, se não queríamos lá ficar, tínhamos de ter muito cuidado.
O meu amigo e camarada Jota, tinha chegado à Província quando eu estava no outro inferno chamado Guidage, tinha feito uma comissão em Moçambique em 1966/68, pelo que não estava familiarizado com o chamado ”Vietname Português”, o Jota tinha sido Condutor Auto tal como eu, era do meu Curso de Primeiros Socorros, de Cabos, de Furriel, lançamento de Pessoal e Material, de Mecânica, de Técnicas de Instrução e foi parar ao meu Pelotão.
Estava no seu primeiro destacamento, não tinha ainda avaliado a dimensão daquela guerra, um dia à tarde eram perto das 17 horas, ele entre a morança de adobo com telhado de zinco que nos abrigava da chuva e a vala, tinha o pano de tenda estendido e chamou-me:
-Tóino, anda para aqui jogar ao loto, nós nos intervalos quando não estávamos no mato, procurava-mos passar o tempo jogando às cartas, loto ou qualquer outro entretenimento, ele naquele dia queria loto, eu olhei para a altura do Sol e depois para o relógio, disse-lhe que não porque estava na hora do ”lanche”, uns chamava-lhe lanche outros chamavam-lhe “o chá das 5”, fui buscar o capacete e a arma e dirigi-me à vala, o pessoal do Pelotão lá estava.
Ele ainda insistiu mas eu disse-lhe que não porque elas (granadas) tinham olhos, o bom do Jota contrariado acabou por seguir o meu exemplo mas não tão depressa como devia, foi buscar o capacete e quando se dirigia para a vala foi projectado para a mesma, ajudado pelo sopro provocado pelo rebentamento de uma granada de foguetão 122mm que caiu pouco mais de um metro à frente do pano de tenda.
Quando acabou o ataque o Jota foi ver os estragos, não me recordo se o pano de tenda estava estendido no enfiamento da morança, se esta sofreu danos, mas duma coisa tenho a certeza, do pano de tenda e do equipamento pouco restou, o Jota a chorar de raiva começou aos pontapés ao que restava do seu equipamento, dizendo:
-Olha o que eles me fizeram ao equipamento!
Eu a gozar com ele disse-lhe:
-Com que então querias Loto? Afinal às vezes respeitar a pontualidade pode salvar vidas, se tivesse ido na conversa dele tínhamos lá ficado os dois, mais uma vez não tinha de ser, a partir dali o camarada Jota passou a respeitar o horário imposto pelos guerrilheiros do PAIGC e teve de se mentalizar que aquela guerra era a sério.
Quando encontro o Jota pergunto-lhe se vai um joguinho de loto? Ele responde:
-Tas parvo?
Saudações Aeronáuticas
Dâmaso