terça-feira, 11 de outubro de 2011

Voo 2523 DIAS E NOITES DE LUA CHEIA.




Victor Sotero
Sargº.Mor EABT
Lisboa





Meu “Comandante”

Saúdo o “Comando”, a “Linha da Frente” e todos os “Zés” que nos visitam.
Dias e noites de Lua cheia.
Malufu ou maluvo é a bebida fermentada, meio açucarada, produzida pela seiva extraída das palmeiras que noutros tempos abundavam pelos arredores do Aeródromo Base nº 3, no Negage.
O Indígena, já com alguma idade, manhã cedo, munia-se de uma ou duas facas já velhas e quase sempre de duas cabaças. Embrenhava-se pela picada direito às palmeiras que ficavam no meio da mata.
Escolhida a palmeira, com as facas fazia-lhes feridas no tronco por onde haveria que escorrer a seiva.

Com uma folha de bananeira, fazia uma bica que fazia entrar para dentro da cabaça o maluvo.
No início, o liquido quase transparente era agradável e bom refrescante. Algumas horas depois, tornava-se ligeiramente viscoso e o seu sabor era já acre, quase azedo. Com a fermentação, tornava-se mesmo azedo e difícil de beber.Esta recolha do maluvo era normalmente feita da parte da manhã. Dava tempo para encher as cabaças porque à noite...normalmente em noites quentes de Lua cheia, havia batuque.
Homens e mulheres vindos dos mais variados locais vestidos de panos e com os amuletos bem colocados no corpo que a tradição impunha, cantavam e dançavam em redor de uma enorme fogueira.
Faziam-se ouvir os tambores que freneticamente os batuqueiros em ritmo, embriagados pela entrega à confraternização, às emoções e aos sentimentos do povo que normalmente se deslocava de outras sanzalas vizinhas.
Os batuqueiros escorrendo suor pela sua entrega iam-se refrescando com o maluvo que o velho indígena ia servindo através de um copo de lata que antes tinha servido a conserva e transporte de salsichas.
Por convite, dancei algumas vezes batuque na sanzala do Caia.
Mesmo não atinando bem com o endiabrado ritmo e às canções impostas por homens e mulheres, senti muitas vezes vibrar o meu corpo.
Senti que fazia parte daquela gente e daquelas terras africanas naquelas noites em que a lua cheia inundava de prata os terreiros onde se dançava e tocava o batuque.
Ao longe, muito ao longe, milhões de estrelas cintilavam num céu imensamente grande onde a lua muito redonda, presidia.
Por entre as palhotas da sanzala, o som provocado pelos batuqueiros espalhava-se pela savana a quilómetros de distância até de madrugada.
As saudades são imorredoiras para quem passou pelo Aeródromo Base nº 3 Negage, a unidade “menina bonita” da Força Aérea.Despeço-me do “Comando” da “Linha da Frente” e de todos os “Zés” como sempre com um até breve.

Sotero


Nota.:- Estas cabaças vieram do Negage em Março de 1970. Estão estimadas e tratadas pelo que chegaram até agora impecáveis.
Depois do gargalo ser cortado mais ou menos a meio, era esta espécie que servia para o transporte do maluvo.

VB: Obrigado Victor por teres respondido ao nosso apelo, pois outra coisa não era de esperar de ti.
É um tema engraçado este da cultura africana, os seus hábitos, as suas produções, talvez uma aérea engraçada para ser explorada nesta “base” pelos nossos tertulianos. Que acham?
Está lançado o desafio, vamos esperar pelo vosso contributo.