Boa amiga, fazes hoje dia 13 de
janeiro, oitenta e três anos de existência.
Como é bom chegar-se a esta idade e
poder-se recordar todo o percurso de vida, que Deus nos facultou.
Como não é presentemente o teu caso, venho
deste modo e à lai de missiva, recordar a mim mesma, mas em tua homenagem, o
modo como nos conhecemos, a vida que partilhámos em conjunto, com momentos
bons, menos bons e por vezes com opiniões diferentes e algumas brincadeiras
pelo meio que tu com o ar mais sério, as achavas como desadequadas e
inoportunas, mas que eu as reconhecia, como atos próprios das jovens raparigas,
que éramos.
Lembro-me do primeiro dia que te
conheci. Saímos do aeroporto da Portela a vinte e seis de Maio de 1961, cerca
das 9,30 e a bordo de um velho, “Junker” o (JU 52), que passou a partir desse
momento a ser o nosso fiel amigo, íamos prestar provas psicofísicas, ao
Batalhão de Caçadores Paraquedistas em Tancos. Como estava um dia com chuviscos,
algumas de nós íamos de lenços na cabeça, tipo meninas do colégio em jeito de
passeio de fim de curso.
Realmente apesar de todas nós já sermos enfermeiras, parecíamos umas colegiais, gente simples e em nada sofisticadas.
Foi um dia de “ gozo”, para os militares
que observaram aquele grupo de onze mulheres, que invadindo o quartel daquela
tropa especial e de elite, se aprontavam para que num futuro próximo, passassem
também a fazer parte dela, mas na situação de pessoal equiparado a militares paraquedistas.
Quem diria, que naquela época de tão brandos costumes e num mundo tão fechado,
às mulheres isso pudesse vir a acontecer.
Fizeram-nos correr, saltar e suar, mas
o modo pouco habitual como o fizemos, apelidaram-nos de imediato, “OS PRIMEIROS
CEPOS DA AERONÁUTICA
Continuaste como todas nós, a correr marchar e a saltar daquela medonha “Torre Francesa”.
Nessa fase algumas de nós, passaram a ter mais dificuldade nalguns exercícios. Recordo hoje com algum sorriso, o dia em que nos apearam junto à ponte da Chamusca, para uma prova de orientação (de azimutes), sem que antes nos recomendassem, que se à hora combinada não estivéssemos no ponto de reunião, que afinal era a barcaça da margem esquerda do rio Tejo, que nos levaria até à viatura de regresso ao quartel, teríamos que regressar (desenrascar), de qualquer modo.
Dividiram-nos em dois grupos num dia tórrido de Julho e tu fazias parte do meu. Com aquelas combinações de salto, que nos deram para a instrução, revestidas de borracha aos níveis das regiões sagrada, joelhos e cotovelos, ao andarmos terreno acima e abaixo, sem água e cheias de sede, recordo-me que ias entrando em choque, não fora o arejamento acidental, com a despida de tal uniforme, porque ao passarmos por um silvado, ficou com carraças e terias tu e eu, caído para o lado desmaiadas tal era o cansaço.
Passaram-se as semanas e parte do grupo extraordinariamente amigo e unido, foi-se desfazendo pelo medo que algumas tiveram ao não conseguirem repetidamente, voltarem a saltar daquela célebre “Torre de saída”, que simultaneamente também servia para treinos de aterragem.
Tu e outras de nós, conseguimos chegar ao fim do curso e conquistarmos a tão almejada “Boina Verde e as Asas ao peito”, de que tanto nos orgulhamos.
Na foto superior estás em penúltima, na de baixo estás na 2ªposição à esquerda. Falta a Mª da Nazaré que por motivo de uma entorse ao (4º salto), acabou dias depois.
A partir daí começaste a fazer parte daquelas “Seis Marias que desceram do Céu.”
Embarcamos pela primeira vez para a África, (Luanda-Angola) a vinte e dois de Agosto/61, para acompanharmos na qualidade de enfermeiras, o lançamento de paraquedistas na Serra da Canda.
A partir daí começaste a fazer parte daquelas “Seis Marias que desceram do Céu.”
Embarcamos pela primeira vez para a África, (Luanda-Angola) a vinte e dois de Agosto/61, para acompanharmos na qualidade de enfermeiras, o lançamento de paraquedistas na Serra da Canda.
Partimos juntas e felizes para a nossa primeira missão à Africa, a bordo de um DC6 da nossa Força Aérea, que tinha como comandante o Tenº Coronel Francisco Rosa, que no meio aeronáutico entre os pilotos, era chamado pelo (Chico Rosa).
Após a descolagem em São Tomé, onde também fizemos escala, pregou-mos uma partida e tendo-nos chamado à cabine de pilotagem, nos mandou olhar pelo vidro da frente do avião, o que aceitámos fazer de imediato, sem nada vislumbrarmos de especial, pois disseram-nos que observássemos a linha que iria aparecer no horizonte. Foi então que o outro membro da tripulação nos regou a cabeça com uma garrafa de água, que nos deixou o penteado todo molhado. Era a tradição de batismo para quem pela 1ª vez como nós, passávamos para o outro hemisfério, cruzando a linha do Equador. Foi uma rizada entre todos, o que nos facilitou o relacionamento com as tripulações.
Tivemos o privilégio de assistirmos aos procedimentos de aproximação à aterragem e pela vida fora não mais esquecemos aquele e outros comandantes das tripulações, e vários pilotos com quem fizemos muitas missões e que de um modo geral, se mantiveram amigos.Chegamos a Luanda com uma boa receção dos nossos camaradas paraquedistas que vieram receber-nos com muita cordialidade e conhecer aquelas “Aves raras”, que se tinham introduzido no seu meio, mas que eles não conheciam, porque já estavam colocados em Angola , quando iniciámos o nosso curso.
Na 1ª foto o Comandante Francisco Rosa está de costas, ao cimo da escada.
A chegada foi propalada e a Comunicação Social, apanhou-te para uma declaração. Eu ia pagando uma “Completa de 10”, por trazer um botão desabotoado da farda. Ao tempo era o que me dizia o Cap. Marques da Costa que arrancou um franco sorriso do Tenº. Mansilha, na 2ª foto. Salvou-me estar de farda nº1, (havia de ser bonito em pleno aeroporto!..).Testemunharam o facto o Alf Moura Martins Tenentes Ruivinho e Proença, além do Capº Almendra. (meio encoberto), 3ª foto.
Depois amiga, lá embarcámos a bordo do Nhor-Atlas, a acompanhar aquele lançamento com muita pena por não termos saltado também e ainda por cima, com a enorme angústia de vermos um dos nossos militares, ficar preso ao avião. Felizmente safou-se por pouco e não foi necessária a nossa intervenção, nessa missão
A chegada foi propalada e a Comunicação Social, apanhou-te para uma declaração. Eu ia pagando uma “Completa de 10”, por trazer um botão desabotoado da farda. Ao tempo era o que me dizia o Cap. Marques da Costa que arrancou um franco sorriso do Tenº. Mansilha, na 2ª foto. Salvou-me estar de farda nº1, (havia de ser bonito em pleno aeroporto!..).Testemunharam o facto o Alf Moura Martins Tenentes Ruivinho e Proença, além do Capº Almendra. (meio encoberto), 3ª foto.
Depois amiga, lá embarcámos a bordo do Nhor-Atlas, a acompanhar aquele lançamento com muita pena por não termos saltado também e ainda por cima, com a enorme angústia de vermos um dos nossos militares, ficar preso ao avião. Felizmente safou-se por pouco e não foi necessária a nossa intervenção, nessa missão
Nesta foto a Ivone olha para um
militar que 50 anos depois, aquando da Homenagem e entrega de Diplomas em
Tancos, promovida pela UPP (União Portuguesa de Paraquedistas) a 27 de outubro
de 2011, a todos os “Paras” brevetados em 1961, a aborda e lhe mostra o seu
álbum que continha esta foto, que aqui registo. Senti uma grande mágoa por ela a
não ter reconhecido, como já era esperado.
A tua e a minha vida continuou e passados uns meses precisamente, no dia 18 de dezembro de 1961 aquando da invasão de Goa, pelas tropas da União Indiana, juntámo-nos em Carachi no Paquistão Ocidental, onde já te encontravas com a Mª do Céu Policarpo, a assegurar a evacuação de mulheres e crianças familiares dos nossos militares e outras da população civil, que pretenderam sair de Goa.
Tivemos um regresso atribulado, a bordo de um DC4, dos TAIP (Transportes Aéreos da ex. Índia Portuguesa), cujo comandante Solano de Almeida o tinha conseguido retirar com estilhaços e fugido com a pista inoperativa conjuntamente com um avião da TAP, que ainda vinha mais esburacado e que ficou a reparar em Carachi.
Na 1ª aterragem na cidade de Damasco, brindaste-nos com o teu lado brincalhão. Estavam a embarcar num avião DC 3-Dakota, um grupo de árabes e tu com um véu branco na cabeça e os cordões, à volta da cabeça começaste a imitar a fala dos árabes o que fez com que olhassem para traz. Felizmente que era de noite e a situação não trouxe complicações.
Trouxemos uma nova passageira e recém-nascida, que é tua afilhada e chegámos a Lisboa em vésperas de Natal, sem antes termos aterrado de emergência em Palma de Maiorca, o que permitiu à tripulação e a nós algumas horas de repouso noturno.
Antes da descolagem ainda deu para uma partilha de descontração com os mecânicos do avião à beira da piscina do hotel, onde se pernoitou.
Mª do Céu Policarpo, a Mª Ivone de pé,
segura a mangueira, Mª Arminda, um dos tripulantes, e a Mª da Nazaré.
Com este ar jovial e alegre, quem
pensaria que tivéssemos passado por noites sem dormir, uma certa angústia com
os acontecimentos e a incerteza do que se estaria a passar nos territórios na
Índia, a par do cansaço pelas muitas horas de voo e alguns sustos.
Graças a Deus hoje duas de nós ainda cá estamos para os recordar, embora não contemos contigo para o efeito, mas não esqueço que para além desta missão ainda lá voltaste no repatriamento dos nossos militares aprisionados. Tu e a Zulmira cumpriram essa missão, mas foi a ti que coube, ir mesmo à Índia a um campo de prisioneiros, numa situação perigosa e difícil.
Ivone estou a relatar tudo isto, mas gostava que tivesses a possibilidade de seres tu mesma a fazê-lo. Tal como sempre afirmo – A vida é os dias de que nos lembramos- e porque tenho ainda a faculdade de me recordar de algumas passagens, ofereço-te como presente de aniversário, este texto para a “Tabanca Grande”, que traduz uma ínfima parte do teu percurso profissional, não esquecendo que tu passaste também pelas três frentes da “Guerra” e naquela terra, a Guiné, onde de uma forma ou de outra, todos os que lá estiveram e que a trouxeram no coração, tu noutra situação de saúde, terias com certeza muitas das tuas vivências para lhes contar.
Por não me ser possível abraçar-te neste dia deixo-te com duas das imagens do nosso reencontro no dia 8/8/2011, data do 50º aniversário do nosso curso e da Festa da entrega do Diploma em Tancos, a 27/10/2011.
Graças a Deus hoje duas de nós ainda cá estamos para os recordar, embora não contemos contigo para o efeito, mas não esqueço que para além desta missão ainda lá voltaste no repatriamento dos nossos militares aprisionados. Tu e a Zulmira cumpriram essa missão, mas foi a ti que coube, ir mesmo à Índia a um campo de prisioneiros, numa situação perigosa e difícil.
Ivone estou a relatar tudo isto, mas gostava que tivesses a possibilidade de seres tu mesma a fazê-lo. Tal como sempre afirmo – A vida é os dias de que nos lembramos- e porque tenho ainda a faculdade de me recordar de algumas passagens, ofereço-te como presente de aniversário, este texto para a “Tabanca Grande”, que traduz uma ínfima parte do teu percurso profissional, não esquecendo que tu passaste também pelas três frentes da “Guerra” e naquela terra, a Guiné, onde de uma forma ou de outra, todos os que lá estiveram e que a trouxeram no coração, tu noutra situação de saúde, terias com certeza muitas das tuas vivências para lhes contar.
Por não me ser possível abraçar-te neste dia deixo-te com duas das imagens do nosso reencontro no dia 8/8/2011, data do 50º aniversário do nosso curso e da Festa da entrega do Diploma em Tancos, a 27/10/2011.
Associação da Força Aérea Portuguesa (AFAP)
Mª do Céu Policarpo, Mª Arminda Santos, Mª Ivone Reis e Mª de Lurdes Rodrigues.
Mª Ivone e Mª Arminda
Mª Arminda Santos