quinta-feira, 1 de março de 2012

Voo 2741 HISTÓRIAS DA GUINÉ.






Jorge Mariano
Alf.Engº.Quimº
Coimbra




Caro Comandante Victor
Parecia que andava “desaparecido em combate algures no TO”.
Mas eu não acreditava que quando nos reformamos ficamos com mais que fazer. Foi o que aconteceu comigo.
Dá ideia que quando estamos a trabalhar temos a agenda mais organizada.
Enfim cá estou a enviar mais uma estoria esta mais longa, mas é uma homenagem que quero prestar ao nosso GRANDE Comandante Moura Pinto.
Tenho outra, ou melhor duas mais, mas fica para outra vez.





O Grande Comandante Moura Pinto



            Ao ver o voo 2730 onde o Victor Barata nos recorda o nosso Grande Comandante Moura Pinto, e respondendo também ao pedido de “prova de vida” que nos foi feito pelos nossos Comandantes, decidi contar –vos esta estoria passada na Guiné apenas 4 a 6 meses após ter chegado.
Como já tive oportunidade de relatar, assentei praça na Escola de Cadetes do Exercito em Mafra onde fiz a recruta, daí passei para o Serviço de Material em Sacavém onde fiz a Especialidade e daqui, como era procedimento da altura, fui requisitado ao Exercito.  Eramos 6 ou 7 Engenheiros Químicos em Mafra apenas 1 iria para o então Ultramar e esse seria o que fosse para FA e calhou-me a mim. Fui colocado, após um estágio na Mobil sobre combustíveis, num Departamento da FA ali para os lados do Marquês de Pombal onde se forneciam as “senhas de gasolina” mais baratas para o pessoal da FA. Recordo que éramos 2 Engenheiros, além de outro pessoal, mas havia tanto que fazer que quando havia um oficio para responder jogávamos um pocker para ver quem respondia pois era apenas 1 por mês. Estive pouco tempo neste serviço porque fui colocado na OTA a dar aulas aos futuros Especialistas. Sei que uma das coisas que dei, ou melhor li em voz alta para todos, foi a cadeira de Ferramentas. Eram tempos terríveis com aquelas correrias tremendas de automóvel de Lisboa até á OTA e volta. Nessa altura estava lá colocado e lá continuou um colega meu do Porto, que talvez alguns recordem, o Alf. Engº Veiga Dias.
A viagem de avião no SuperConstellation para a BA12 já a contei noutra ocasião, mas quando cheguei , quando a porta do avião se abriu a primeira sensação foi de ter entrado directamente para uma sauna tal era a humidade.
Estava a minha espera o Alf Antunes que eu ia substituir. Como se recordam o avião chegava de manhã e regressava á tarde a Lisboa. O Alf. Antunes queria regressar nesse avião pelo que naquelas horas mostrou-me e apresentou-me ao Major da Intendência em Bissau (já não recordo o nome) naturalmente ao meu pessoal da Secção de Combustíveis ao, 1º Sargento Junqueira, que alguns talvez recordem, ao Chefe de Secretaria  e naturalmente fui apresentar-me ao nosso Comandante Moura Pinto, e ao Alf PilAv Carpinteiro que era o piloto responsável pelos Combustíveis.
O Alferes Antunes, que depois trabalhou na fabrica do Caima para os lados de Abrantes, deu-me alguns conselhos e um deles foi este.
-Se te vierem convidar ou pedir para ires ao mato nunca vás, é muito perigoso…eu nunca saí daqui só até Bissau.
 Intimamente pensei este tipo é louco se pensa que vou ficar aqui fechado todo o tempo. Eu julgo que o avião era á 5ª feira, por isso na 6ªfeira e sábado terei ficado pela secção e a instalar-me e no domingo de manhã ainda estava deitado
bate-me á porta o Alf Carpinteiro e diz toca a levantar temos de ir a Bafatá ver os combustíveis. Lembrado das recomendações do Alf. Antunes mas perante a convicção da voz  de comando do Carpinteiro, ainda reclamei:
 - mas aqui também se trabalha ao domingo?
Fiz nesse dia o meu baptismo de voo de DO, e lá fomos até Bafatá para irmos almoçar a casa do Camilo. Algumas peripécias aconteceram nesse almoço mas isso fica para outros voos. Estavam presentes, naturalmente o Camilo, o Comandante do Aquartelamento de Bafatá -  que não sei o nome,- o Padre, e um sujeito todo de branco Senhor fulano (não recordo o nome, que depois vim a saber ser o homem da pide de Bafatá). Após 3 dias tinha furado o conselho do Eng Antunes e até ao fim da Comissão muitas horas de DO e de Heli fiz que até cheguei a ter “caderneta de voo”, não sei se se diz assim.
O Carpinteiro mal pode foi mostrar-me todos os depósitos de combustíveis que tínhamos no mato. Havia locais onde tínhamos reservas mínimas obrigatórias, outros onde apenas eram colocados combustíveis quando havia operações. Correndo o risco de me esquecer de algum, os locais eram: Teixeira Pinto, Farim, Bafatá, Nova Lamego, Aldeia Formosa, Bula e  Cufar. Nesses locais havia JP4 para os Heli e gasolina 86 para as DO, ainda havia por lá alguma gasolina 100/130 dos T6 mas era pouca. Por esta altura julgo que os T6 já não faziam destacamentos fora de Bissau.
 O combustível era colocado nesses locais pelo abastecimento normal dos aquartelamentos ou seja por terra em coluna militar e ou pelas LDG da Marinha. Havia uma NEP que determinava que os combustíveis não podiam ser utilizados nas aeronaves após 6 meses se encontrarem no mato. Quando dessa primeira visita, que pelos vistos era a primeira nos últimos 2 anos, deparamo-nos com enormes quantidades de combustível fora de prazo, que por esse facto não podiam ser utilizados pela FA mas que era propriedade dela e dos quais pedíamos a devolução. Os comandantes dos diferentes aquartelamentos queixaram-se que os riscos que teriam de correr para devolver esses combustíveis eram grandes, e que o armazenamento era também perigoso porque ciclicamente havia informações que o IN quereria armadilhar esses depósitos fazendo explodir todas as instalações, e pediam por isso uma resolução para o problema. Para terem uma ideia nalguns locais existiam centenas de bidons de 200l alguns já muito detiorados. Preocupado com esta situação agendei uma nova visita.
Chegado lá,  e áh “engenheiro”,  pedi ao soldado que me acompanhava na inspeção um martelo e um prego e todos os bidons que estavam a verter porque tinham furos pequenos, com a ajuda do martelo e do prego aumentei o furo,  e disse ao soldado:
- logo já podes tirá-los daqui. Os outros contei-os.
 Perguntei aos comandantes das unidades do Exercito que guardavam estes combustíveis, se a gasolina não lhe dava jeito para gastar nos Jeeps e se o JP4 não era bom para limpar o material?  todos disseram que sim.
Regressado a Bissau fui falar com um Brigadeiro do Exercito do Serviço de Material explicando-lhe o problema que existia e a solução que eu pensava; mudar os combustíveis da FA para o Exercito e fazerem entre as duas Armas um encontro de contas. Naturalmente tinha apresentado esta proposta antes ao meu
superior na parte operacional o então Major Pilav Pedroso de Almeida que deu o seu acordo mas que foi séptico quanto ao sucesso da diligência.
Fiz então um oficio para Senhor Major da Intendência da FA  em Bissau, de quem dependia, expondo o assunto, o perigo que envolvia para as forças no terreno, os contactos técnicos que já tinha com a intendência do exercito, o acordo que tinha do Major Pedroso de Almeida e pedindo-lhe que oficializasse as diligências que tinha feito.
Passados 2 meses telefona-me o Brigadeiro do Serviço de Material do Exercito perguntando-me porquê não tinha dado andamento á conversa que tínhamos tido e de certo modo responsabilizando-me pelo atraso. Como ainda não tinha perdido a “inocência” era maçarico! fiquei escamado, pedi um JEEP e fui a Bissau á Intendência da FA. Vocês recordam-se era uma casa cheia de moças giras todas Cabo-verdianas. Usando os meus dotes de galã e os meus conhecimentos pedi a uma secretaria para descobrir o oficio. Estava na Secretaria do Major. Falei com ele de novo , expliquei-lhe a urgência e perigosidade dos combustíveis  fora de prazo no mato etc.
Agora a resposta foi imediata recebi um oficio do Major  pedindo para propor com rapidez as condições em que a operação se deveria fazer.
Com a mesma “inocência” que atrás referi mas sem querer deixar duvidas quanto á origem do atraso escrevi mais ou menos isto:
“É extremamente lamentável que um assunto desta importância e perigosidade e urgência só tenha sido tratado passados 2 meses e isto a insistência nossa …” depois seguia o oficio.
Passados dois dias estava na linha da frente com o pessoal de abastecimento e chega um soldado da secção de abastecimento auto a  correr a pedir-me para ir á secção por tinha chegado correio de Bissau do Major.
Respondi o Junqueira (1º sargento) que receba. Mas o soldado insistiu:
- ele diz que tem que ser o Senhor Engenheiro a receber. Estranhei mas vim para baixo.
Na secção estavam o praça com correio de Bissau com um oficio do Major e com o protocolo para assinar como tinha recebido.  Achei estranho, mas mais estranho achei a cara com que o Junqueira me olhava como  que a dizer: 
- tens a mania que és esperto mas…!
Abri o envelope e trazia o meu oficio de volta e um outro que rezava assim (mais ou menos!?): Devolve-se o oficio por nele estarem contidos afirmações que ultrapassam as suas competências… e ordena-se que se retirem essas afirmações. 
Aí! caí em mim e percebi, estava na tropa! um Alferes não pode lamentar os serviços de um Major…
Olhei para os meus homens para o Junqueira e vi-os á espera do que eu ia fazer com alguma curiosidade mas também algum desafio.
E pensei estás enrascado!!!...mas disse logo, eu não retiro carta nenhuma, ele que me dê uma “porrada”!
Arranquei direito á secretaria, e como apenas existiam 3 lugares de Engºs Quimicos na FA em Bissau, Luanda e Lourenço Marques, perguntei:
- quantos dias de detenção preciso de ter para ser transferido?
- Resposta 15 dias, mas atenção que levas 14 dias e perdes as férias. Continuava na secretaria nestas cogitações, quando me surge a ideia vou falar com o Comandante Moura Pinto. 






Legenda: Num dos aniversários do Clube de Especialistas da BA 12,tendo a seu lado o 2ºCom. Ten.Cor.Pilav.Lemos Ferreira

Foto: Especialistas da BA12 (direitos reservados)


Tinha estado com ele apenas duas vezes conhecia-o muito mal. Entrei fiz continência tirei o bivaque para não ter de continuar em sentido e disse-lhe mais ou menos isto:
- Meu Comandante sou miliciano estou há 1 ano e pouco no serviço militar não conheço nada dos hábitos militares, tenho por função em termos operacionais os combustíveis no mato e relatei tudo e os contactos que tinha tido no Exercito, o atraso na resposta e, que tinha recebido agora aquele oficio do senhor Major que não tinha percebido.  Acrescentei se é pelo facto de eu ter escrito que  “lamentava”, agora entendo que eu não posso lamentar o Serviço de um Major sendo eu Alferes, mas meu Comandante nem por isso o facto deixa de ser lamentável
O comandante Moura Pinto recebeu-me de pé no meio do gabinete com aquele ar calmo, semblante altivo, aquele olhar vivo e inteligente mas que inspirava muita confiança, ouviu-me sem nada dizer ou perguntar,  pegou na carta leu-a em silêncio no fim parou um pouco e disse-me:
- Olhe, para não fazermos uma guerra de alecrim e manjerona, você vai pedir uma audiência ao senhor Major e conta-lhe tudo o que me contou a mim e entrega-lhe o oficio e agora, das duas uma, ou ele se cala ou continua a exigir que você retire o oficio. E neste caso você manda o mesmo oficio mas onde diz “é extremamente lamentável” coloca “ é triste”.
Saltaram-me os olhos das orbitas porque entendi que estava na presença  do Homem mais inteligente que tinha conhecido durante o meu Serviço Militar, aprumei-me coloquei o bivaque e fiz a “melhor” continência da minha vida e pedi autorização para retirar, acenou com a cabeça com um pequeno sorriso e saí. Como compreendem eu estava nas nuvens.
Estava de Oficial de Dia á Base, o que acontecia de 5 em 5 dias. Saí leve como uma pena do Gabinete do Comandante ,e decidi telefonar de imediato ao senhor Major a solicitar uma audiência.
O senhor Major respondeu mas não precisa de marcar eu atendo-o sempre que quiser.   Então disse:
- Estou de Serviço, sai-o amanhã pelas 9h00, e estarei aí pelas 10h00.
No dia seguinte, após o render da Guarda, vesti a farda nº 1 com dólmen lembram-se, (“granda maluco!!”) e lá fui.
 Entrei fiz continência, contei tudo como tinha feito ao Comandante Moura Pinto, não me esquecendo de acrescentar que se eu não podia “lamentar” o sucedido nem por isso deixava de ser lamentável e entreguei-lhe o oficio, com aquela conversa, de que não entendia o que aquilo queria dizer. Naturalmente omiti-lhe que tinha falado com o Comandante.
O Major gritou repetiu umas 5 vezes , que eu era Alferes e ele Major . Bom quando o vi mais calmo, perguntei se podia retirar-me, ele disse que sim e eu saí e deixei o oficio ficou na secretaria…
Este episódio retrata bem o grande homem e Comandante que era o Coronel Moura Pinto. Tenho outro episódio com ele e o Gen Spínola mas fica para outra vez.
  
VB: Que alegria nos transmites com esta tua tão desejada aterragem!
Devo dizer-te que eras dos tertulianos a quem fizemos o apelo para saber onde “paravam”, que mais surpreso e interrogado me estava a deixar. De facto, depois dos constantes contactos que te fizemos e nada dizeres…
Bom, mas a partir de agora esperamos que retomes o trafego normal.