sábado, 5 de maio de 2012

VOO 2858 A CONTAGEM DO TEMPO DA COMISSÃO E UMA CAÇADA




Victor Sotero
Sargº.Môr EABT
Lisboa





Saúdo o “Comando”, a “Linha da Frente” e todos os “Zés” que nos vão espreitando.

No inicio da minha comissão, uma das primeiras coisas que fiz no serviço, foi pegar numa folha A4 de papel branco e escrever o numero 730 (dois anos) e em ordem decrescente, até chegar a 1. Cada dia que passava (e não me esquecia) marcava sempre uma cruz. Sabia sempre quantos dias faltavam para terminar a comissão.
         Na minha secretária, ao lado da máquina de escrever, presa ao tampo por fita cola, por lá se manteve durante o tempo todo.
         A folha, já quase toda marcada com cruzes, estava quase no fim. Restavam poucos números para marcar.
         O Comandante da Esquadrilha de Abastecimento, propôs-me um louvor.
         O Pinto que era quem fazia toda a correspondência da Esquadrilha, passou a limpo a proposta e deu-me uma cópia que levei para o armário. Era segredo. Não disse nada a ninguém.
          Entretanto, sempre que possível, a caça.
         Um dia, já com a habitual equipa, munidos de algumas sandes e cervejas, lá fomos para o capim.
          Por vêzes, o cacimbo pregava-nos algumas partidas. Não foi o caso desta vêz mas sim uma enorme trovoada com alguma chuva. Espectacular e a causar alguns arrepios.
          Do chão, o cheiro a ferro.
          Uma mirada com o farolim e ao longe os olhos de uma corça. Sinal ao condutor e lá partimos para fora da picada com o capim muito rasteiro. Dois tiros e o animal tombou.
          Paramos o jeep para a trazer para dentro. Sinal para avançar, mas como? O jeep estava agora atascado pela água que caia. Ramos e mais ramos para debaixo das rodas.
          Com muito esforço lá o conseguimos retirar do lamaçal onde nos tínhamos metido.
          Regresso à base. Nesta noite não valia a pena continuar apesar de um coelho mais afoito se ter deixado apanhar com uma cacetada pela cabeça.
          No outro dia, após o serviço, “esfolar”, tirar a “cabeça” para embalsamar, as “unhas” para cabides. A carne ia para a sanzala para ser vendida.

Foto: Victor Sotero (direitos reservados)


          Jeep a trabalhar e aí vou eu com uma balança e a carne direito a “Nova York” em direcção da porta de armas.
          Na porta de armas o policia só levantava a cancela quando a viatura estava parada na sua frente. Desta vêz, por mais que desse no pedal do travão o jeep não travou. Para minha aflição continuou e lá se foi a cancela que ficou partida.
          Verificou-se depois que o atascamento  do jeep tinha partido um pequeno tubo que servia de conduta do óleo dos travões.
          O meu louvor não saiu. Serviu de pagamento ao estrago que tinha feito à cancela.
          Pela folha de papel que marcava os dias da minha comissão, as cruzes que ia fazendo permitiam-me dizer e a ficar com pena que faltavam poucos dias para o final da minha guerra.
            Despeço-me meu “Comandante”
Despeço-me do “Comando”, da “Linha da frente” e de todos os “Zés” que nos visitam nesta base.
Até breve.
Sotero

MA: Cá está mais uma passagem do nosso companheiro Sotero, que podemos chamar de dois em um.
Companheiro continua afinado, para poderes fazer mais uns voos com o estilo que já nos habituaste.


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