domingo, 24 de junho de 2018

Voo 3523 OS OLHOS QUE FALAVAM





Francisco Serrano
Esp.MMA
Costa da Caparica
Foto: José Raimundo em evacuação á "zona".

Foto: José Raimundo localizando o ferido a evacuar.
Foto: José Raimundo na fase de transporte do ferido para o Helicóptero..

OS OLHOS QUE FALAVAM

"Evacuação "

O socorro aéreo, talvez a mais nobre missão cumprida no teatro de guerra por estas máquinas voadoras os Helicópteros e suas tripulações, que muitos homens na sua esmagadora maioria jovens, ao vê-lo descer dos céus para os resgatar, agradeciam nas suas orações por os retirarem do inferno mesmo que estropiados.
Sempre de alerta um Heli e sua tripulação para de imediato poder responder a um pedido de evacuação. Macas no seu interior, motor em marcha, rodas no ar, e aí vamos nós num voo rasante sobre a picada ao encontro da coluna melitar caída numa emboscada ou no rebentamento de minas.
Ou então descenso vertiginosamente sobre a mata á vertical do objetivo para uma clareira improvisada como local de aterragem onde muitas vezes o Helicóptero mal cabía fazendo saltar folhas, ramos e capim por todo o lado, cortados pelas pás dos dois rotores, causando depois graves condições de voo no regresso.
Mas o pensamento era podermos cumprir a missão, os sentidos apurados, a atenção redobrada, há uma ou mais vidas para salvar.
Difícil explicar o que se sentia nestes momentos, a grande excitação, o receio de falharmos de sermos alvejados no decorre da operação e tudo se perder.
Passaramse quase 50 anos, e estas imagens e momentos permanecem na minha memória, a dor o sofrimento , o desespero de quem quer ser salvo.
Sabemos que na guerra o mais certo é a perda da vida, mas quando temos a fatalidade de ser feridos, queremos viver mesmo que incapacitados, e voltar para junto de quem amamos, família e amigos.
Era isto que os olhares de tantos jovens já dentro do Heli saindo do inferno das zonas de combate, nos transmitiam a nós camaradas que os socorriamos.
Os olhos falavam !
Alguns mesmo em sofrimento com dificuldade exprimiam um sorriso como que a dizer : apesar de tudo sem uma perna ou um braço vou sair daqui vivo.
Outros devido à gravidade dos ferimentos, tinham aquele olhar de aflição como que pedindo que fizéssemos tudo para os salvar.
Já outros com aquela palidez de morte estampada no rosto desfaleciam ficando a olhar no vazio dando o último suspiro.
Ficávamos destroçados sentindo um misto de raiva e compaixão quando mais uma vida se perdia .
Porém que satisfação ao vermos dias depois esses camaradas resgatados já com alguma recuperação na placa do Aérodromo esperando o avião para regressarem às suas terras.
Aí os olhares éram de alegria no abraço de despedida e o desejo de um futuro feliz e tranquilo para quem partia, e de muita sorte para quem ficava.
Mas era sempre com o sentimento do dever e solidariedade sabendo que também arriscávamos as nossas vidas para salvar outros, que pilotos, mecânicos, enfermeiros e enfermeiras, com os nossos Helicópteros, nunca poupámos esforços nas mais adversas situações de perigo, ninguém era deixado para trás !
É com dor e angústia e sem saudosismo que recordo estes momentos, fomos uma geração sacrificada com tantos anos de guerra, foi uma tragédia a perda de tantas vidas humanas tão jovens e com muito para viver.
Lá de tão longe, alguns em péssimas condições de sobrevivência, às vezes á luz de uma véla escreviam para as suas amadas imaginando o futuro e jurando amor eterno.
Para os seus familiares, páis, irmãos, esposas e filhos prevendo e desejando o dia do regresso , dos beijos, dos abraços, do carinho dos afetos no seio da família.
E todos os sonhos ruíram, e tudo se esfumou no terror da metralha, nos estilhaços de uma mina , de uma granada de uma bala.
Para todos eles o meu RESPEITO !



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