quinta-feira, 25 de novembro de 2021

VOO 3602 – É UMA INJUSTIÇA!...


 

Miguel Pessoa

Cor.Pil.Av.

Lisboa






É UMA INJUSTIÇA!...




 

Talvez se recordem de haver, há muitos anos atrás, uma série de desenhos animados com o Calimero, um patinho preto que usava uma casca de ovo à laia de chapéu, e que passava o tempo a lastimar-se de tudo o que lhe acontecia: “É uma injustiça! É uma injustiça!”.

Foi um pouco assim com uma decisão das chefias que me fez sentir que não tinha sido tratado em plano de igualdade com outros meus camaradas.

Mas vamos começar pelo princípio: Iniciei a minha comissão na Guiné em Novembro de 1972 e, apenas quatro meses depois de lá ter chegado, fui recambiado para Lisboa para recuperar das mazelas sofridas na ejecção de um avião Fiat G-91 atingido por um míssil.

Naquele tempo a medicina aeronáutica ainda estava um pouco incipiente e o Hospital da Força Aérea ainda não existia. Assim, a minha recuperação passou pelo Serviço de Ortopedia do Hospital Militar (do Exército), que tratou razoavelmente da recuperação da minha perna partida. O mesmo não posso dizer de outros dois aspectos importantes que foram descurados: A recuperação da minha coluna, que tinha sofrido uma compressão de vértebras de 2 centímetros (perdi 2 cms de altura, que não recuperei…) e o apoio psicológico para ultrapassar o stress da situação vivida, agravado pela necessidade de me adaptar à ideia de voltar a operar no mesmo teatro de operações.



O "corpo do delito" - O Fiat G-91 5413 abatido em 25 de Março de 1973 na zona do Guileje
(Desenho do Paulo Moreno, créditos reservados)


O facto é que esses dois aspectos acabaram por ficar à minha conta no meu regresso á Guiné quatro meses depois – e se no primeiro caso pouco pude fazer para além de ver a coluna a piorar com o tempo, já a readaptação à actividade aérea foi ultrapassada com grande esforço da minha parte, sem nenhum acompanhamento profissional e dependendo unicamente de mim e da possível solidariedade dos outros camaradas.

No ano de 1973 acabei por não gozar férias, para compensar o tempo perdido na minha recuperação; e em 1974 as únicas férias que gozei na comissão acabaram por coincidir com o período revolucionário pós-25 de Abril… Tinha chegado a Lisboa em 22 de Abril de 1974…

Calculam o meu espanto quando, no regresso à Guiné, fui informado de que os meus três camaradas que se tinham igualmente ejectado, tinham “passado” pela Guiné para fazerem o desquite e encerrarem a sua comissão de serviço. Parece que a argumentação terá sido a dificuldade de adaptação dos pilotos à actividade aérea depois dos traumas psicológicos sofridos…

Naturalmente perguntei: “Então e eu?!...”. - “Ah, pois. Parece que consideraram que tu podias continuar, que já tinhas passado a parte difícil…” (Na altura eu já tinha feito cerca de mais 9 meses de comissão, fazendo das tripas coração e readaptando-me como possível às rotinas do dia-a-dia).

A irritação acabou por me passar. A actividade aérea passou a ser mais reduzida na fase final da minha comissão (depois do 25 de Abril), não passei por situações de grande risco e, chegado o termo da minha comissão, em meados de Agosto de 1974, pude regressar à metrópole com a satisfação do dever cumprido… e sem dever nada a ninguém…

Mas ainda hoje penso quais foram os critérios para um tratamento diferente entre pessoas que tinham passado pelo mesmo, e sem me ter sido transmitida uma palavra sequer sobre o assunto…

Miguel Pessoa


1 comentário:

  1. Caro Coronel Pessoa, fico feliz por saber que ainda está ativo e isso é bom para ver se os Zés especiais acordam.
    No meu caso, não cheguei a Tenente Coronel por culpa minha, tive cunhas e nunca as utilizei e sinto-me feliz por isso, respeitosos cumprimentos para a família.

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