Piedade Gouveia
Enfermeira Pára-Quedista, Moçambique, Guiné
Lisboa
Amigo Victor.
Após 36 anos de afastamento, eis-me aqui a colaborar para o aumento do espólio “histórico” deste nosso blogue que, devo dizer-vos, merece um grande aplauso e parabéns!!! Alguém está a fazer alguma coisa por vós, por nós quero dizer!...
Sou a Enf.ª Maria Piedade de Gouveia que esteve convosco na Guiné nos anos de 1972 e 1973.
Espera Victor, dás-me licença? Quero falar do meu encontro com o Manuel Correia de Bastos!... Pessoal, isto é difícil passados tantos anos!... Estou há cinco dias para escrever estas linhas e não encontro as palavras correctas para a ocasião. Mas parte do que poderia dizer-vos já foi referido anteriormente neste blogue, nos diversos Postes publicados sobre “A enfermeira que veio do céu”.
Fiquei à espera do Alfa na plataforma no Oriente às 12h22m no dia 9 de Maio de 2009, lá vinha ele. De repente parou e saindo dele uma multidão em todas as direcções, comecei a pensar que seria muito difícil encontrar o Manuel Bastos. Pus-me em bicos de pés e ao longe vejo uma silhueta que se destacava das outras por ser alta e virar a cabeça para um lado e outro! Apressei-me e diante dele mostrei-lhe a boina verde. Como devem calcular uma pessoa não é de ferro (já ouvi isto não sei onde).
Cumprimentámo-nos e olhámos um para o outro!... Senti que era este o homem que eu transportara, outrora, do mato para o hospital de Mueda(1). A minha apreensão era mais que muita. Começámos a andar à procura, talvez, de mais silêncio, porque eu não queria perder um minuto que fosse, (quem me dera saber o que passava na cabeça do Manuel!). Será que já vos aconteceu isto? Querer saber o que os outros estão a pensar? Meus amigos, se assim fosse, a vida neste belo planeta seria cor-de-rosa.
Almoçámos! Eu nem tinha muita fome! Falámos, falámos, esclarecemos alguns pontos. Houve um silêncio, ele olha para a mala que trazia e muito lentamente (como se não tivesse pressa, querendo talvez que este momento se prolongasse eternamente) retira uma prenda com um laço especial, entrelaçado como um NÓ. Estende o braço devagar e deposita nas minhas mãos, como se fosse o Menino Jesus nas palhinhas deitado!...
Não consigo desatar o nó! Retiro o papel e deparo-me com o livro que ele escreveu
“Cacimbados"(2).
Vejo a capa e contra-capa e fixo o olhar na contra-capa tentando adivinhar o que vai naquele rosto triste, mais parecendo uma criança de 5 anos perdida no mato do Norte de Moçambique, não sabendo se voltará a encontrar os seus entes queridos.
Meus amigos por hoje é tudo.
Anexo uma foto do nosso encontro.
Um abraço com muito carinho para todos os camaradas.
Piedade.
Vejo a capa e contra-capa e fixo o olhar na contra-capa tentando adivinhar o que vai naquele rosto triste, mais parecendo uma criança de 5 anos perdida no mato do Norte de Moçambique, não sabendo se voltará a encontrar os seus entes queridos.
Meus amigos por hoje é tudo.
Anexo uma foto do nosso encontro.
Um abraço com muito carinho para todos os camaradas.
Piedade.
Legenda: Piedade Gouveia e Manuel Bastos reencontro
Fotos: Enviada por Piedade Gouveia
Notas de JC:
(1) Voo 837 do nosso Blog
(2) O Manuel Bastos publicou o livro “Cacimbados” que relata o seu percurso e da sua Companhia em Moçambique nos últimos anos da Guerra Colonial.
JC: Piedade Gouveia é com grande emoção que te recebemos neste “nosso” Blog, agora dando o teu testemunho na primeira pessoa e depois de alguns emocionantes Voos sobre o tema “A Enfermeira Que Vinha Do Céu”.
Tendo acompanhado de perto e com emoção esses capítulos, agora, parece impossível estar aqui a comentar um texto da personagem feminina e real desta “série”.
Piedade, vou-me socorrer de parte de um texto que escrevi no Voo 804 AS NOSSAS GLORIOSAS ENFERMEIRAS NA TERTÚLIA "LINHA DA FRENTE". :
“Em relação à tua missão e actuação de alto risco e de entrega completa a servir o próximo, gostaria de poder ter o dom da palavra para expressar a minha admiração, mas como não consigo, com a devida vénia, socorro-me do lema de duas esquadras ainda em operação na "nossa" FAP. A Esquadra 552 "Zangões" que opera os helicópteros Allouette III, tão ligados às suas missões, e a esquadra 751 "Pumas" que opera os helicópteros EH-101:
"Em Perigos e Guerras Esforçados..." arriscaram a vida no cumprimento da missão de entrega a servir o próximo, prestando tratamento físico e conforto moral "Para que Outros Vivam" , é a forma que encontro para transmitir a minha admiração e respeito a essas Grandes Senhoras. “
Em nome da Linha da Frente, saúdo vivamente a participação de mais uma Ilustre Enfermeira Pára-Quedista.
Espero que nos visites mais vezes e que enriqueças o “nosso” Blog com alguns testemunhos das tuas nobres missões nesses difíceis anos na Guerra Colonial.
Saudações Especiais
Voos relacionados:
978 “A Enfermeira Que Vinha Do Céu – Parte Três”
878 “A Enfermeira Que Vinha Do Céu – Parte Dois”
873 “ A Enfermeira Que Vinha Do Céu - Conclusão”
850“ A Enfermeira Que Vinha Do Céu – A Descoberta”
837“ A Enfermeira Que Vinha Do Céu”