quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

VOO 1411 AEROCROSS.




Miguel Pessoa
Cor.Pilav.(Refº.) Guiné
Lisboa





Caro Victor
Como te tinha prometido, aqui te envio um texto já escrito há algum tempo e que finalmente vê agora a luz do dia...
Um abraço.
Miguel




AEROCROSS

De vez em quando os aviadores da BA12 eram solicitados para missões que, por fugirem à rotina da actividade diária, eram sempre bem recebidas. Apareceu um dia um pedido de transporte de jornalistas estrangeiros para uma visita a Varela, no âmbito das "operações de charme" que o regime organizava periodicamente.
Um dos problemas apresentados era o de que a pista de Varela estava há bastante tempo desactivada - talvez porque se encontrava localizada a uma certa distância do aquartelamento e isso implicasse um empenhamento exagerado das nossas tropas na protecção aos aviões, quando ali se deslocavam.
Mas, dado o interesse em avançar com esta deslocação, foi considerado importante reabrir a pista, pelo menos para permitir a execução daquela missão. Sabia-se pouca coisa das condições do aeródromo naquele momento, pelo que o piloto teria que fazer uma prospecção cuidadosa da área de aterragem, antes de ali pousar.
Dado o número de jornalistas envolvidos, houve necessidade de se programar a ida de dois DO-27, tendo sido designados dois pilotos para esse fim - um Furriel já batido no território e um tenente ainda em princípio de comissão - eu...


Legenda: Á saída do GO 1201,na Base Aérea 12,Bissalanca,para a missão.
Foto: Miguel Pessoa(direitos reservados)

Já não me lembro como me calhou ir nesta missão, mas desconfio. Sucede que era eu quem indicava os pilotos da Esquadra para as missões que estavam programadas e certamente aproveitei para me nomear a mim mesmo para este trabalho, na perspectiva de aprender mais qualquer coisa e ganhar experiência.
A esta distância, parece-me que ultrapassei os limites do razoável ao meter-me nesta cena, pois não se sabia o que iríamos encontrar no terreno. A tal prospecção cuidadosa da área de aterragem era pouco praticável dado que o capim elevado não deixava ver o chão e não sabíamos se haveria obstáculos no terreno, como paus ou pedras, ou irregularidades que pudessem provocar um desequilíbrio repentino do avião durante a sua progressão, ou até o seu capotamento. E desconheço se o pessoal do aquartelamento terá analisado o local.
Tem-se por norma que no transporte de altas entidades ou de pessoal estranho à Força Aérea (que nos importa tratar bem) as regras de segurança são ainda mais rígidas que o normal. Não sei bem os antecedentes desta missão, mas não me parece que tenha sido este o caso, porque à descolagem ainda não sabíamos bem o que iríamos encontrar. Sei que, à chegada ao local, depois de termos solicitado ao aquartelamento que montasse a segurança aos aviões junto à pista, ficou assente que um dos pilotos faria uma aterragem cuidadosa e só depois aterraria o outro avião.
Foi decidido (?) então que eu faria essa aproximação inicial. Parece-me que terá havido aqui uma passagem da batata quente feita de modo perfeito pelo outro piloto e o periquito viu-se com o menino (ou os jornalistas) nos braços e avançou destemidamente. Destemidamente é uma maneira de dizer. O facto é que arrisquei mais do que devia pois, para além dos eventuais obstáculos, que já referi, nem sabíamos se teriam colocado alguma mina naquela zona.
Pese embora os meus receios, a aterragem até foi perfeita e o capim ajudou mesmo o avião a travar a corrida de aterragem. Vendo o êxito da manobra o outro piloto avançou e aterrou a seguir, estacionando o avião ao lado do meu.
A missão não tem muito mais a referir, pois o regresso decorreu sem problemas de maior, com uma descolagem normal de Varela, na tarde do mesmo dia (depois de termos verificado melhor as condições do terreno...). Não pretendo aqui questionar as decisões tomadas a nível superior, porque não tinha conhecimento à data, nem tive depois, dos factores que foram tomados em linha de conta. Por outro lado, há muitos aspectos desta missão que começam a ficar esbatidos na minha memória. Porém, penso que no meu caso pessoal deveria ter tomado maiores precauções (claro! - mas quais?...).
Suponho que, afinal, muitos passaram por situações semelhantes. Quantas vezes nos encontrámos nós em situações em que sentíamos dificuldade em questionar as decisões tomadas a nível superior, quando já estávamos metidos numa engrenagem que nos arrastava e levava a situações para as quais muitas vezes já não tínhamos fuga possível e apenas nos restava avançar?

VB: Se calhar ainda hoje gostavas de fazer uma aterragem idêntica,no mesmo local?
É verdade Miguel,a nossa FAP sempre foi dotada de PILOTOS,com pouca preparação para a guerra aérea,mas uns grandes guerrelheiros!Bom,diz o ditado que "quando Deus fez a panela,fez a tampa para ela",e é verdade,os ZÉS ESPECIAIS também eram grandes profissionais e...bem pagos!!!

Recordo a pista de Bubaque,quando o Nord ou Dakota aterrava,çapinava aa laterais da pista.
Foi de lá que descolei,para,em pleno voo,ouvir a Torre de Controle de Bissau a chamar-te e...nada!Nunca esquecerei esse dia Miguel.