sábado, 13 de março de 2010

VOO 1541 ALGUMA RELAÇÃO COM O DESTINO DO CAMARADA SOTERO


Mário Rodrigues
Melec/AV/Inst,
1ª/67, BA12
Estoril

Comandante Victor.

Peço mais uma vez autorização para nova aterragem. Caso seja concedida, agradeço mais uma vez a composição do texto.
Um grande abraço
Saudações especiais
Mário Machado Rodrigues

ALGUMA RELAÇÃO, COM O DESTINO DE CURSO DO CAMARADA “SOTERO – ELECTRICISTA”.
Quando estava na recruta, também escolhi 3 especialidades:

1. Circulação Aérea
2. Meteorologia
3. Mecânico de Rádio
Ainda antes de almoço, chegou o Major Noronha no seu Vauxhall Velox preto e disse-me:

- Amigo vou dar-lhe uma boa notícia. Este ano não vai haver cursos de Circulação Aérea, nem Meteorologia. Mas, não se preocupe, pois tenho ainda duas soluções para si.
Como ainda me restava a saída para a EMEL (rádio), pedi-lhe que me dissesse, quais eram as que me restavam. Ele com uma “granda” lata respondeu-me:
Olhe, tenho duas soluções para escolha, mas não tenha pressa a decidir, porque ainda tem, tempo para pensar. Ou vai para Comunicações, ou então Comunicações.
Fiquei um pouco aparvalhado, e fiz o rewind, e pensei, estás a pagar as merdas, que fizeste durante a recruta, como recusa de carecadas, etc. mas, disse-lhe:
- Meu Major já decidi. Se não fosse muito incómodo, escolheria Comunicações.
Ele foi-se embora, e começo a ver os autocarros a chegar, não me controlei, e deixei soltar umas lágrimas. Para evitar fazer merda e mandarem-me para casa, fui ao gabinete do Comandante, na altura, Coronel Manuel Diogo Neto, conhecido da família. Completamente desesperado, contei-lhe o sucedido e de lágrima no olho.
Ele disse-me, porra pensei que você fosse um gajo com mais força, afinal foi-se abaixo. Que especialidades é que voçê queria?
Disse-lhe: Sr. Comandante, Circulação e Meteorologia, não vão abrir, pode ser uma qualquer em Paço de Arcos, para estar próximo de casa.
Ele mandou-me esperar, saiu cerca de ¼ de hora e voltou com cara um pouco sisuda, pensei de imediato, “já foste”, até que ele esboçou um sorriso malandro e mandou-me dirigir ao local, onde estavam a efectuar as chamadas junto aos autocarros que iam para Paço de Arcos e desse o meu nº 105/67. Assim o fiz. Lá entrei para o “Bus”, caladinho que nem um rato e a pensar em todos os “lindos” nomes que sabia, ao Maj. Noronha. E assim lá fui para electricista, e para uma autêntica peluda, comparando com a BA2 que era continência da esquerda e da direita e ainda por cima, para falar com um cabo, tinha de ser em sentido. Na EMEL, era o contrário, passava um oficial, e se estivéssemos sentados, ninguém se levantava. Lá, o comandante da companhia, tenente Januário, teve de emitir uma ordem de serviço, que nos obrigava a cumprimentar militarmente, todos os superiores hierárquicos. Mas manteve-se tudo na mesma. Só havia respeito a um oficial do exército, que era o capitão Passos. Bera que chegava.
Percebo perfeitamente, a angústia do Sotero, mas ele ainda foi mais persistente, na vontade e querer ser electricista, teve azar ou sorte dependendo do ponto de vista, possivelmente até foi melhor. Ele o saberá!
Ainda em Paço de Arcos, meti-me numa bronca das grandes. Porque normalmente, eu ia em busca do azar, ou o azar vinha ter comigo. Pernoitava em casa, e um dia estava com cólicas intestinais, tive necessidade de fazer uma cagadinha e, na mesma, apareceu uma lombriga, pensei logo:
Aleluia, já tenho argumento para fazer bronca.
Ás páginas tantas, andava eu à procura de um frasco e álcool, para ir ao posto médico reclamar a comida. O enfermeiro, um pouco, ou bastante bichanado, cantor e actor de teatro de revista, de seu nome, Vítor Rosado, arranjou-me um frasco e álcool e disse:
- não percebo qual é o teu pânico! Isto, não é nenhuma jibóia.
De frasco na mão, fui às camaratas e falei com outro grande “mangas” o Garcia (Pepe) MRádio, que passava a vida ao espelho, a pentear-se, e a contar os cabelos que ia perdendo. Mostrei-lhe o troféu e acto contínuo, ele disse:
Eh! mano, há ali um bacano que encontrou um percevejo, fomos ao encontro do colega e em vez de um, haviam dois exemplares. Fizemos uma caçada nas camaratas e descobriram-se quatro ou cinco. Pegámos nos troféus de caça, guardámo-los numa caixa de fósforos e começou logo a guerra. Uma cama caiu, vão duas, armários, em suma, foi pior que a revolução dos cravos, porque aí não houve tiros, vem o 1º Comandante Coronel do exército que não recordo o nome, juntamente com o Oficial de dia e disse-nos aos gritos:
-Vinha de carro, na marginal em Caxias e já ouvia o barulho que vocês faziam. Há que saber quem foram os instigadores de tamanha destruição. Só nos acusámos quatro, eu, Garcia, Mafra e um outro, que também tinha a mania do “penteado”.
Castigo aplicado aos quatro: 3 dias de detenção particulares, que incluía o fim-de-semana, e um reforço de castigo. Os restantes alunos, foram para casa uns dias, para que fosse feita a desinfecção das respectivas camaratas.
O meu reforço, calhou-me no dia das cheias, julgo ter sido em 25 de Novembro de 1967. Estava há cerca de uma hora na guarita, que dava para a marginal, e só via Minis a encostar com água no distribuidor, porque a estrada estava completamente inundada. Surge agarrado à rede, da parte exterior e por cima do muro, um fulano. Empunhei a Mauser e disse: Quem vem aí faça alto! O desgraçado, apanhou um enorme “cagaço” e implorou-me que não o matasse, porque vinha por ali para evitar a água na estrada e no passeio. E disse-lhe:
Oh homem, passe lá que esta merda nem balas tem. Quem se recorda, na EMEL o pente de balas estava dentro de uma caixa metálica e tinha um fio de cobre soldado, a fazer de selo.
Passado um pouco, ouço nos altifalantes, a solicitarem voluntários para ajudarem nas cheias. Não fui de modas, pus a arma na casa da guarda e montei-me num “Matador” e lá vai o pessoal, armado em salvadores. Andámos por Caxias, Linda-a-Velha, Carnaxide e no Val do Jamor, zona onde morreram, imensas pessoas. Quando por volta das 10 horas da manhã, chegámos ao quartel, com lama até ao pescoço, já estava eu outra vez “entalado”, porque tinha abandonado o posto. Mas o oficial de dia, que era o célebre capitão Passos, resolveu, não participar de mim, pelo facto de ser dia de grande confusão e considerou que tinha defendido uma causa nobre.

Legenda: Camarata da EMEL, EU, Víctor Faria e Henrique Dores

Foto: Mário Rodrigues (direitos reservados)

Voos de Ligação:

VOO 1490 ...APRESENTA-SE O SOL./ALUNO nº1020/66,QUE VEIO DE PAÇO DE ARCOS