domingo, 6 de junho de 2010

VOO 1763 MAIS UMAS DERROTAS


António Loureiro
Fur.Policia Aérea
Figueira da Foz






Dá-me licença senhor comandante

Porque a vida não pára

Entre as pessoas que alguma vez ousaram saltar de um avião, apesar de não ser nada de especial, cria-se automaticamente uma empatia misturada com um sentimento de respeito, solidariedade e amizade que dificilmente se esvanecerá para o resto da vida.
Ao ver o depoimento tão interessante da nossa amiga Rosa Serra, uma pioneira, veio-me há ideia (mais uma derrota) dessa coisa dos saltos.
Certa vez, eu e o meu querido amigo Martins Silva, ex-1º.Cb Op.Rad., fomos saltar ao Aeroclube de Évora no Cessna do Paraclube os Boinas verdes.
O tempo, apesar do sol, não estava grande por causa do vento inconstante, quase no limite, mas aproveitando as "sotas", o incansável SAJ.Pára-Silva, quando via uma oportunidade, logo pedia voluntários para mais um salto e assim, lá foi mais uma equipa para o ar.
O M.Silva foi o primeiro a ser largado e eu o último, pela ordem natural das coisas, ele deveria aterrar primeiro do que eu, mas nada disso, por efeito das massas de ar, eu fiquei numa corrente descendente enquanto ele numa corrente ascendente e devido a isso, ultrapassei-o a grande velocidade e passados pouco tempo, apesar de eu quase subir pelos cordões acima na tentativa de perto do solo os largar para de algum modo amortecer o ataque ao solo, a verdade é que nem assim me safei de provocar uma entorse aborrecida num "canelo", sendo arrastado de imediato pela força do vento até conseguir
fechar o paraquedas, efectuando a manobra de recolha dos cordões de baixo.

Legenda: O Loureiro num dia de saltos

Foto: António Loureiro (direitos reservados)

Entretanto o nosso amigo M.Silva continuava numa boa, lá em cima, com pouca vontade de sair de lá, até que, como lá em cima não fica ninguém, também veio por aí abaixo.
Como não há bela sem senão, ao chegar ao solo, teve as mesmas dificuldades que eu, ou possivelmente maiores, porque mal pôs os pés no chão, começou a "lavrar" por cima da terra balofa, só parando dentro de uma vala de água com mais de 1 metro de profundidade.
Lá vinha eu a dizer mal da minha vida, a coxear para o hangar, quando me encontro com outro paraquedista da equipa, por acaso alentejano, estava a "jogar em casa", que apesar do seu fino sentido de humor, não tinha motivos para vir bem disposto.
Tinha estreado um fatinho de salto branco todo xpto, que de branco já pouco, pois estava todo "borrado" de lama e de sangue na zona do pescoço e do peito.
De referir que era uma tarde típica de Novembro, depois de um almoço bem comido e melhor regado.
Quando o vi naquele estado até deixei de coxear, afinal eu parece que não tinha nada comparado com ele.
Lá lhe mandei uma boca:
Eh pá, que foi essa ..., fugiste da tábua? queriam-te matar ou quê?
(normalmente nas aldeias matam os porcos numa tábua em cima de um carro de mão, porque já há poucos carros de bois).
Está calado pah, nunca mais ponho a ...... da tripla segurança, olha para isto, assim que toquei com os pés no chão, o paraquedas não esvaziou e arrastou-me contra a cerca de arame farpado, fiquei com os bicos do arame enterrados no pescoço e com o paraquedas do outro lado a puxar-me e eu estava a ver que não conseguia ver-me livre do paraquedas por causa daquela porcaria, olha para isto, está aqui um lindo serviço, nunca mais ponho aquilo.
Como estava etilicamente bem disposto, as dores foram mais suportáveis e lá foi fazer companhia ao Especial M.Silva tomar uma choveirada de água fria em pleno mês de Novembro.
Acabaram os saltos naquele dia.

Pois é, não são só vitórias.


Voos de Ligação:
VOO 1735 MAIS UMA GLORIOSA MULHER DE GUERRA,ACABA DE ATERRAR!