domingo, 25 de julho de 2010

VOO 1852 HISTÓRIAS VIVIDAS - A MISSÃO QUE NÃO CUMPRI - PARTE I

Foto: Mr. Pierre Fargeas (direitos reservados).

Histórias vividas

A Missão que não cumpri...!



A todos os mecânicos especialistas
que em África serviram
voando ALIII!



Poucos mecânicos de voo foram reconhecidos publicamente pelo seu espírito de missão, sacrifício e coragem demonstrados em combate!
Esta singela homenagem que lhes presto, na pessoa do meu mecânico de voo, pretende colmatar essa lacuna na parte que a mim diz respeito.
De facto o protagonista deste episódio representa bem tudo o que essa classe de especialistas tinha e mostrou de bom!
Formiga



Legenda: Filme projectado por Manuel Ferreira no Encontro NANAMUE, Esposende 24/4/2010



Por terras do Fim do Mundo
1968! Gago Coutinho (actual Lumbala N`guimbo) era a sede do Batalhão de Caçadores 19..!
A “Batalhoa” como as tripulações da Força Aérea ali destacadas o apelidávamos pelo seu fraco desempenho em operações!
Era também sede um dos dois destacamentos aéreos (DC ”G”) no Leste de Angola. Os meios aéreos atribuídos permanentemente, eram, um helicóptero ALIII da Base Aérea 9 (Luanda), dois T-6 Harvard e um Dornier DO-27 do Aeródromo Base nº4 (Henrique de Carvalho/Saurimo). As respectivas tripulações eram substituídas quinzenalmente... se não houvessem surpresas!
O Renato e o Estima eram dois dos pilotos do AB4 que habitualmente ali estavam destacados e com quem me encontrava regularmente nesse destacamento compartilhando o prazer de passarmos juntos 15 dias naquele cu de Judas.
A repetição das mesmas caras na rotação dos destacamentos queria apenas dizer que éramos muito poucos e na prática eram sempre os mesmos destacados! Este facto contribuiu muito para uma sólida camaradagem que perdurou ao longo dos anos e que o tempo não consegue destruir.
Recordo com saudade a designação carinhosa de “helioto”, com que o Renato me brindava pretendendo significar piloto de helicóptero e da sua recusa brincalhona de entrar dentro do meu helicóptero ainda que estivesse no estacionamento! Esta camaradagem estendia-se igualmente aos mecânicos já que, como foi tradicional da Força Aérea, sabia-se fazer a distinção entre serviço e “conhaque”.

Análise da situação
No período a que este episódio se reporta (1968), a actividade aérea no destacamento de Gago Coutinho não era muito intensa. Não só porque a carência de meios assim o determinava mas também porque não existiam objectivos que a justificassem. Tal situação dava para que o pessoal ali destacado pudesse acalmar dos momentos de maior tensão que se viviam no Norte de Angola!
A guerrilha não estava definitivamente instalada no Leste! Servia sim de porta de entrada aos movimentos de libertação provenientes da Zâmbia que tinham total apoio do governo de Lusaka. Era excepção à pouca actividade, o trabalho de acção psicológica da UNITA levada a cabo junto das populações pelo seu líder carismático Jonas Savimbi. Deambulava, ao longo das margens do rio Lungué-Bungo, afluente do Zambeze entre os seus apoiantes com os quais se identificava, vivendo entre eles.
As operações militares não eram muitas mas esporadicamente o Comando do Sector Leste pedia à Força Aérea missões para transporte de carga, evacuações sanitárias e eventualmente, de reconhecimento quando as informações recebidas careciam de confirmação no terreno e a sua importância o justificava.
A essa data a actividade do batalhão sediado em Gago Coutinho, resumia-se a operações de patrulhamento, de protecção a colunas militares para reabastecimento dos seus destacamentos como eram os casos de Sete, Mussuma e Muié.
Em Ninda, uns quilómetros a Sul estava destacada permanentemente uma companhia de paraquedistas.
Estes conhecimentos da ordem de batalha do Batalhão que os “aviadores” adquiriam, eram resultado da convivência forçada pela partilha da camarata (a vala comum!) para oficiais subalternos e sargentos do Batalhão.
A esse tempo a Força Aérea não tinha instalações próprias como seria de toda a conveniência para um adequado descanso das tripulações.
Na verdade o pessoal do exército não tinha necessidade de dormir cedo por não terem missões inopinadas, ao contrário das tripulações da FA que tinham que manter um estado de prontidão mais elevado , pois a todo o momento poderiam ter que descolar para uma missão.
Acabávamos por adormecer embalados pelas conversas, pelo “cantar” do pessoal do posto de rádio, que passavam uma noite inteira a soletrar o alfabeto fonético na transmissão das mensagens e também pelo ruído do motor-gerador de electricidade. Funcionavam como soporíferos. A paragem do gerador inesperada a meio da noite provocava uma verdadeira emergência. Toda a gente acordava sobressaltada pelo “silêncio incómodo” que essa paragem provocava.

As tripulações de helicópteros e aviões ligeiros eram constituídas por gente muito jovem, marcados pela dureza da vida em constantes operações por todo o território de Angola. A título de curiosidade recorde-se que Angola tem uma superfície de 1 milhão e 300 mil km2, ou seja 14,5 vezes maior que Portugal Continental e que no ano de 1968 a única esquadra de helicópteros em Angola chegou a um mínimo de nove pilotos (e poucos mais mecânicos de voo) sendo que três estavam nos destacamentos permanentes de Cabinda, Cazombo e Gago Coutinho. Admitindo que poderia haver alguém de licença de férias, podemos imaginar o esforço que era pedido aos restantes.
Sujeitos a perigos e incomodidades constantes, estavam endurecidos pela vida, mas como qualquer mortal, também tinham um coração que palpitava e que em determinadas situações se deixava tocar pela emoção!
Capazes da maior violência quando se tratava de garantir a sua sobrevivência, tinham também momentos de desespero e raiva por não conseguirem minorar a dor de quem sofria.
Foi o que nessa missão aconteceu. Mas deixemo-nos de amolecimentos e vamos aos factos da nossa pequena história!

A Missão
O Comando Militar do Sector Leste solicitou atraves do Batalhão de Gago Coutinho um reconhecimento armado para “localizar e/ou destruir se possível, um grupo de guerrilheiros armados infiltrados em território nacional, vindos da Zâmbia, ao longo do rio Mussuma….”
E como missão secundária o pedido prosseguia:
Caso não seja localizado grupo In, capturar na área, elemento da população que eventualmente possa fornecer informações sobre o referido grupo.

O episódio simples e operacionalmente insignificante que a seguir se descreve passou-se no leste de Angola, a meio da tarde, junto da fronteira com a Zâmbia, entre as localidades de Gago Coutinho e Mussuma, na execução do pedido de reconhecimento atrás referido pelo Comando Militar do Sector Leste (Luso).
O pedido era resultado do trabalho da rede de informadores indígenas ao serviço da DGS. Era garantidamente seguro!
A acção teria que ser efectuado em helicóptero armado, por força dos requisitos expressos no pedido. Mas neste caso era uma figura de retórica, já que as únicas armas a bordo eram a espingarda G3 do mecânico e a pistola Walter do piloto.

A típica savana do Leste de Angola abaixo do caminho-de-ferro, que cruza Angola desde o mar até à Zâmbia, é um extenso planalto de mata pouco densa, ou coberta de capim alto. É atravessada por uma rede extensa de rios muitos dos quais afluentes e subafluentes do Zambeze, Lungué Bungo, Cuito-Cuanaval e Cuando e Cubango.
Tinham como característica comum, leitos relativamente estreitos e sinuosos descrevendo “ésses” preguiçosos e sucessivos como que pretendessem retardar a chegada ao seu destino. Nas margens larguíssimas podia-se encontrar toda a espécie de fauna.Iniciado o voo de reconhecimento, aquela vasta zona plana junto à fronteira tinha muito pouco arvoredo. De onde em onde tufos densos de arvores de grande porte, quais pequenas ilhotas no meio de um mar de capim! Nessas “ilhotas”, muito separadas umas das outras o arvoredo denso não deixava ver nada abaixo das suas copas, obrigando a que a missão de reconhecimento de que estávamos incumbidos, estivesse a ser efectuada com extremo cuidado, “saltando” de uma para a outra, contornando-a à procura de inevitáveis vestígios da presença humana (trilhos deixados pela sua passagem no capim).
(Continua)
Voos de Ligação: