domingo, 20 de fevereiro de 2011

Voo 2164 A OPERAÇÃO "DINOSSAURO PRETO"CONTADA NA PRIMEIRA PESSOA.





António Dâmaso
Sargº.Môr Paraqª.
Azeitão


Continuando a contar na primeira pessoa a minha vivência na guerra de África, neste caso na Guiné, quero continuar a prestar a mais sentida homenagem aos que tombaram no cumprimento do DEVER, a estes perfilo-me e faço Continência, àqueles que ficaram com deficiências, aos que viveram em buracos, passando fome e sede e tantas outras privações, que estiveram expostos às balas ou estilhaços, independentemente da Arma a que pertenceram, digo-lhes que passei por essas situações por isso sei dar o valor por tudo o que passaram, para os que foram passar “férias”, que não arriscaram nada, que dormiam em lençóis, com ar ventilado ou condicionado e bebida fresca, para estes não tenho nada a dizer em abono ou desabono, só que tiveram muita sorte nas especialidades ou nas “cunhas”, sem ofensa



GADAMAEL PORTO (1)

Legenda: CCP 122 a desembarcar em Gadamael Porto (foto H do BCP 12)
Foto:António Dâmaso(direitos reservados)


Operação “Dinossauro Preto”


Entre 2JUN73 e 17JUL73 em Cacine e Gadamael Porto

Força BCP 12 com 3 Companhias a 4 GC

(1)

Os primeiros Pára-quedistas que chegaram a Gadamael Porto, além de terem quase tudo arrasado, viram-se na necessidade de cavar abrigos e abrir valas suficientemente profundas para poderem sobreviver à intensidade e pontaria dos ataques é do conhecimento geral que foi abandonada uma posição fortificada, transitando essa Tropa para outra sem as mínimas condições de defesa fortificada (2), desconheço se não tiveram tempo de cavar trincheiras, por se verem repentinamente sob um inferno de metralha em cima, ou se estiveram nas tintas para o fazer, a “necessidade aguça o engenho”, durante uma emboscada vi um militar esgravatar com as mãos para proteger a cabeça e o resto do corpo, depois do Baga-baga que o tinha protegido ter sido arrasado, isso permitiu-lhe escapar e estar cá entre nós.

Depois os Páras começaram a fazer a segurança próxima e afastada como se impunha.

Legenda: Páras cavando abrigos e trincheiras em Gadamael Porto Foto (H BCP 12)

Foto:António Dâmaso(direitos reservados)



Legenda:Páras ocupando uma posição defensiva cavada por eles em Gadamael Porto, parece esperarem mais uma flagelação, estão atentos, mais vale prevenir do que remediar Foto (H BCP 12)
Foto:António Dâmaso(direitos reservados)

No dia 2JUN73, chegou a Gadamael Porto a CCP 122, depois a CCP 123 a 4JUN73 e a minha Companhia, CCP121 ainda não completamente refeita dos acontecimentos de Guidage, embarcou no dia 11JUN73 pelas 23H30, no cais de Bissau, na LDG Bombarda, rumo a Cacine onde chegamos no dia 12 de madrugada, fomos transferidos para um Navio Patrulha que nos levou até perto de Gadamael Porto.

Fizemos transbordo para botes de borracha e sintex em virtude da maré estar baixa e da zona do cais estar a ser atacada, fomos deixados na margem mas dentro de água num braço do rio oposto ao cais, choviam granadas que entravam na água à nossa frente mandando um repuxo de água pelos ares, primeiro “rebentavam” depois ouvia-se o silvo da trajectória e só mais tarde a saída, chamávamos-lhe supersónicas, era um tipo de granadas a que não estávamos habituados, mais tarde vim a saber que se tratavam dum canhão 130, não houve estragos por se enterrarem no lodo, fez-me lembrar cenas do filme “ O dia mais longo”, a uma escala muito reduzida.

No Alentejo para pequena complicação costuma-se dizer “ se isto é conduto antes prefiro comer pão seco” naquele dia pensei para com os meus botões: Porra! …, Se isto é conduto não quero comer nada, que bela recepção com nos brindaram.

Assim que entrei no Aquartelamento, verifiquei que algum pessoal da CCP que lá estava, estava bastante “apanhado”, vi dois sargentos de braço dado a passear com chapéu-de-chuva aberto durante uma flagelação, a única chuva no momento era de granadas, conhecia-os de outra comissão na mesma Província, para mim não estavam a armar aos “cucos”, estavam mas era bem “apanhados”.

No dia 13JUN73, ainda de noite, a minha C.ª CCP 121 saiu para o mato, não tínhamos andado um km o pessoal da frente parou por ter ouvido algum ruído, ficamos todos atentos, estávamos assim havia pouco mais de 10 minutos, o dia ia começando a clarear, eu já estava como adjunto de comando, como não tinha havido tempo para instruir convenientemente um apontador do morteiro 60, eu tinha junto de mim o militar que levava o morteiro, foi ele que me alertou para um guerrilheiro que vinha a rastejar na nossa direcção, eu disse-lhe para abrir fogo para cima, rebenta ali um tiroteio de armas ligeiras e pesadas que durou cerca de meia hora.

Mais uma vez agarrei no morteiro e comecei a despejar granadas para cima deles, eram muitos e alguns estavam em cima das árvores, um apontador de RPG 7 da minha C.ª cortou uma palmeira ao meio deitando guerrilheiro que lá estava abaixo, se não tivessem sido detectados e não estivesse-mos em posição defensiva, tínhamos tido ali mais um dissabor.

Aquilo para mim já se tinha considerado rotina, o pior era o meu estado físico, eu estava muito fraco, estava doente física e psicologicamente, era um hospedeiro nato ténias e lombrigas tinha tomado uma droga para as matar mas que me provocava um tremendo mau estar, em toda a minha vida nunca me tinha sentido tão mal como naquela altura, voltei a ter os mesmos sintomas quando depois de 25 de Abril fui submetido a outra desparasitação, tinha férias marcadas para aquela data e não me deixaram vir de férias, quando toda a gente tinha vindo até ali e estava mesmo necessitado de as gozar depois do que tinha passado em Guidage, lei do funil eu não fui mas o comandante da C.ª foi, deixei enterrar o tubo do morteiro e não tive força para o desenterrar, teve de ser o novo comandante de companhia a desenterrá-lo.

Tivemos um morto e um ferido grave, do pessoal que fazia de guia, o morto estava esventrado de tal modo que quando passou na zona onde eu estava, vi um Alferes cujo estômago não aguentou a cena e teve de chamar “pelo Gregório” ali mesmo, tivemos de voltar para trás com eles e para remuniciar, em virtude de ter-mos ficado com poucas munições.

(1) Devido às baixas sofridas por doença e ferimentos, o Comandante do Batalhão teve de se socorrer de graduados e praças que prestavam Serviço na CMI (Companhia de Material e Infra-estruturas) para repor os efectivos, foi assim que vi em Gadamael camaradas que estavam prestes ou já tinham acabado a comissão, a dar o seu contributo em ajuda aos camaradas que estavam numa situação difícil.

(2) A posição fortificada abandonada tratou-se de Guilege, estive lá durante uma semana debaixo de ataques de morteiradas 120mm em 1970, se aquela posição tivesse sido reforçada em Abril ou Maio de 1973, provavelmente teria ficado mais um cemitério militar em Guilege.

Saudações Aeronáuticas

A. Dâmaso

VB. Vamos aguardar a publicação da tua obra literária sobre a guerra da Guiné.
Tens facultado bastantes depoimentos a pessoas que deles se serviram para a feitura de alguns livros muito importantes ,não desfazendo em ninguém, não posso deixar de enaltecer a “A ÚLTIMA MISSÃO” do nosso camarada José Moura Calheiros como a melhor obra que li sobre aquele teatro operacional de guerra. Pois está chegada a tua hora, Dâmaso, certamente que será um sucesso.
Estas passagens na guerra contadas na primeira pessoa, deixa-me que te diga,não é para todos.