quinta-feira, 10 de março de 2011

Voo 2192 EPISÓDIOS VIVIDOS NA GUERRA DA GUINÉ CONTADOS NA PRIMEIRA PESSOA.




Victor Tavares
1ºCabo Paraqª.
Agueda


Caro amigo Victor Barata.

Faço votos sinceros para que te encontres de boa saúde assim como teus familiares. Aproveito para te enviar este texto, para se assim o entenderes o publicares no BLOGUE/ COMANDO AÉREO “Ainda nunca foi publicado”.
Tenho acompanhado os relatos dos nossos companheiros da tertúlia. Gosto deles.
Este relato é longo vê a melhor forma de o editares se assim entenderes fazê-lo.
Tenho outros, depois diz se queres que os envie.

OPERAÇAO MOCHO VERDE - A

« Período 11, 12, 13 e 14 de Fevereiro »

13 .02 -1972 dia que o Victor Lincho foi ferido.

Mais uma vez o BCP12 utilizando as suas três companhias operacionais,

CCPs 121, 122, e 123 partia de Mansôa para mais uma missão sob o comando do Tenente-Coronel PARAQ. ARAUJO e SA, “ Grande Comandante” esta localidade estava estrategicamente situada num centro propicio para inicio de operações, tanto para a mata do Sara como do Mores além de para outras zonas como : Bissorã – Olossato – Bissá e outras zonas complicadas. Desta vez partimos para o Sara preparados para mais uma operação de quatro dias com a finalidade principal de evitar que o PAIGC reorganizasse a sua estrutura político-militar nesta zona onde já havia sido referenciada a existência do Corpo de Exercito 199-C-70, constituído por 4 bigrupos de Infantaria, 1 bateria de foguetões de 122 e 1 grupo de Sapadores.Fomos helitransportados para a zona sem quaisquer tipo de problemas, durante o primeiro dia patrulhamos uma vasta área,emboscando em varias locais aonde o IN não se revelou, por essa razão não tivemos qualquer contacto, embora se referenciassem vários indícios de
que aquela zona era perigosa , não só pelas picadas existentes bastante utilizadas como pelos ataques nos dias anteriores a destacamentos daquele sector, chegada a noite estacionámos em local que os nossos comandantes entenderam como segura , para pernoitar em circulo como era habitual , é importante referir que esse local era semi aberto em termos de árvores de grande porte mas com alguma vegetação com mais ou menos 1 metro de altura , este local era junto a uma picada bastante utilizada tanto por guerrilheiros do PAIGC como pela população que para nós era toda suspeita , formámos o circulo e de determinada zona víamos a picada que ficava a 20 , no máximo 30 metros , as ordens era para que ninguém se desequipar e á possível passagem de pessoas não reagirmos , só o fazendo caso fossemos detectados , durante essa noite passaram naquela picada vários grupos de pessoas falando e houve ate um grupo que trazia uma luz de lanterna.Foi uma noite praticamente passada em claro, uma vez que á passagem desses grupos os Pára-quedistas com ligação por contacto, tocavam no parceiro do lado para que não houvesse reacção da nossa parte chegou-se á madrugada sem qualquer tipo de incidente, era estranho andarmos um dia inteiro sem vermos sequer uma criatura e á noite haver tanto movimento , algo estava a preparar-se , eles sabiam que havia tropa na zona, ao clarear há ordem para preparar e abandonar o local .Assim se fez , andamos durante algum tempo até que houve ordem para parar na frente e tomar o pequeno almoço , não se vislumbrava qualquer movimento suspeito até aí , passado pouco tempo recomeçámos a marcha na direcção indicada , fomos progredindo sempre a abrir caminho , embora houvessem picadas por perto , continuámos até que ouvimos uma rajada ao longe sobre o lado direito da nossa coluna, no sentido em que seguia-mos , continuámos a nossa marcha com cuidados ainda mais redobrados , passado pouco tempo é passada a palavra da frente que mudámos de direcção , para a esquerda “Lado contrario ao da rajada dada” e que tinha-mos já homens nossos no ângulo que indicavam perto dos 90 graus , quase em simultâneo com a chegada dessa palavra á retaguarda, rebentou o “fogachal” , fogo aberto pelo inimigo que estava emboscado á nossa espera , mas que foram apanhados de surpresa pela nossa mudança de direcção , que não sei se seria propositada , aí o poder de fogo e a possível zona de morte que os militares do PAIGC tinham preparado para as nossas forças não surtiu o efeito desejado.

Depois de vários minutos + ou - 15 minutos» de fogo intenso de armas ligeiras roquetadas e algumas morteiradas feitas pelas forças inimigas e pelos Pára-quedistas, eis que:
Durante o contacto surge um guerrilheiro a fugir da zona de fogo equipado com 1 Kalashnicov , só que veio aparecer na retaguarda da nossa coluna , onde veio a cair jà ferido sobre o trilho aberto por nós , de salientar que durante este contacto , uma granada de RPG7 viria a ferir o nosso radiotelegrafista VICTOR LINCHO ,« Meu conterrâneo Bairradino de Sangalhos » nas partes baixas,« mais propriamente nos Testículos »findo o contacto e o inimigo ter dispersado do local foi pedida a evacuação para o ferido , a qual foi feita através de helicóptero. (( essa fotografia tem corrido o mundo encontra-se neste momento no facebok aonde se vê o enfermeiro Sousa que morreria apòs os graves incidentes de GAMPARÀ.))
Seguidamente Retomámos a marcha seguindo para onde nos indicavam e cerca de meia hora depois tínhamos os guerrilheiros novamente á perna , desta vez atacaram á nossa retaguarda com várias rajadas ás quais respondemos , este contacto foi curto , meia dúzia de rajadas e ficou-se por aí, não havendo feridos pelo menos da nossa parte.
As ordens dos nossos superiores foi para sairmos do local em marcha acelerada porque o inimigo podia bater a zona com morteiro ou canhão , o que não veio a acontecer desta vez.
Andando durante mais algum tempo, á ordem para estacionar e comer a ração de combate que cada um possuía, que àquela hora até caia bem , ração tínhamos, a festa com umas fugachadas de vez enquanto também não faltava , o que faltava era: 1º saber qual era o estado do nosso camarada Lincho , 2º o que caía bem com a ração era uma Fanta , ou uma cerveja fresca , mas infelizmente estas coisas não eram possíveis , e também como já estávamos preparados para quase tudo não estranhamos, terminado o repasto retomámos a marcha.
Volvido algum tempo lá fomos flagelados novamente pelo IN, respondemos prontamente, só que durante essa tarde isso aconteceu mais duas vezes, e a 2ª noite estava á porta , os guerrilheiros não nos deixavam da mão e a coisa podia complicar-se durante a noite.


Entretanto com o aproximar da noite foi pedido o bombardeamento de determinada zona perto de nós, apareceram 2 aviões T6 que executaram a missão, avançámos nessa direcção já ao anoitecer vindo a formar círculo e a pernoitar muito perto do local bombardeado, esta noite veio a tornar-se mais tranquila do que a anterior visto que não fomos perturbados pelos guerrilheiros do PAIGC. Na manhã seguinte recebemos ordens para preparar e passado pouco tempo começámos a andar, o que nos custou imenso visto estarmos muito cansados dos quilómetros que tinha-mos feito nos dois dias anteriores além dos contactos que tivemos ( 7 ),estava-mos mais leves em termos de material que tinha sido gasto nos contactos, mas até nesse aspecto era mau porque se tivéssemos mais um ou dois como os anteriores a coisa podia ficar complicada com falta de munições, mas como os nossos chefes não dormiam , andámos até cerca das 11 horas , até que chegou a ordem de paragem na frente e emboscamos perto de uma picada e descansar , passado algum tempo começou a ouvir-se um zum zum , tinha sido pedida a nossa recuperação.
No entanto continuamos progredindo ate que por volta das 4 horas da tarde , ouve então ordem para avançar-mos para uma clareira " Bolanha" onde os Hélis nos iam recuperar, as equipas são formadas com os mesmos elementos, claro que havia uma desfalcada por falta do nosso camarada Lincho , os Hélis chegaram , embarcámos e fomos transportados para Mansoa, chegados fomos informados que os ferimentos do nosso camarada Lincho não inspiravam grandes cuidados, embora fosse uma “zona crítica”.
De Mansoa regressamos em coluna auto, chegando a Bissalanca « BCP 12 » já escurecia , no dia seguinte fui visitar o Victor Lincho ao Hospital Militar de BISSAU aonde tinha sido sujeito a uma intervenção cirúrgica que durou varias horas , mas que decorreu felizmente com êxito.
No decorrer da operação o segundo bigrupo de Pára-quedistas da CCP 121 conseguiu a aproximação sem ser detectado da « BARRACA de MANTEM », onde se encontravam alguns dos mais importantes chefes Militares e políticos daquele Movimento pertencentes a esta área, entre os quais se destacavam ANDRÉ PEDRO GOMES, comandante da frente de NHACRA e BRAIMA PADRE, comandante da bateria do CE. 199-C-70, CARFA MARTINHO comissário político e SAMBA comandante do grupo de foguetões de 122.
Do assalto ao objectivo resultou, para o inimigo, 1 morto e a captura de 7 granadas de LFG- RPG-2, alem de muitas espoletas e cargas de morteiros.
Este objectivo foi alcançado após uma longa caminhada apeada de cerca de 15 Quilómetros.
Estas instalações inimigas encontravam-se no interior duma mata que, embora não muito fechada, não permitia uma aproximação silenciosa das nossas tropas, por tal motivo, o comandante da operação que integrava estes efectivos, decidiu laçar um ataque frontal.
Ultrapassada a entrada do trilho de acesso a posição principal, foi detectado um elemento IN fardado, que se aproximava das nossas tropas, possivelmente para efectuar um reconhecimento.
O guerrilheiro ao deparar com os primeiros homens da secção da vanguarda, esboçou a fuga, pelo que teve que ser abatido.
Este elemento vinha apoiado por outro homem que imediatamente disparou um RPG 7 e se pôs em fuga, mesmo assim feriu os nossos primeiros 4 homens
Quebrada a surpresa, as nossas tropas tentaram o assalto de imediato a posição principal, mas o IN já batera em retirada, embora sofrendo algumas baixas. Batida toda a zona de acção foi capturada uma mulher e uma criança que confirmaram ser o Quartel atacado a mitiga « Barraca de Mantém » e ser seu comandante André Pedro Gomes que estava presente no local no momento do ataque das nossas tropas, o Guerrilheiro morto chamava-se SAMBARI e era apontador de foguetões.
Depois de passada revista a todas as Tabancas , foi dada ordem de retirada o mais rápido possível, adivinhando o que se seguiria, quase de imediato os guerrilheiros bateram a zona á morteirada tentando colher as nossas tropas, não o conseguindo para nossa sorte.
No final desta operação as tropas PARAQUEDISTAS do BCP 12, tinham alcançado os seguintes resultados, 8 mortos, 2 feridos confirmados e a recuperação de 12 elementos da população.
Foram ainda apreendidas, 1 espingarda G3, 1 espingarda Simanov, 1 espingarda Mosin Nagant, 1 PPSH, 2 granadas de morteiro 82, 7 granadas de morteiro 60, 6 granadas de RPG 2, 4 granadas de RPG 7, alguns milhares de munições diversas para armas ligeiras e vario material explosivo alem de bastantes peças de fardamento.
Por seu lado as nossas tropas sofreram 6 feridos, entre os quais o Tenente. Pára-quedista Cardoso e Castro e o Sargento Cegonho .

VB: Olá Victor.
Sejas bem-vindo através de mais um excelente “salto” para esta base.
Depois dos cumprimentos, perguntas-nos:

“Tenho outros (relatos), depois diz se queres que os mande ou não.”

Ó Victor, achas que alguma vez se pode recusar o relato das operações vividas na guerra da Guiné, na primeira pessoa?!
Embora todos nós, que estivemos no TO dessa ex-província, tenhamos as nossas histórias para contar, não tenho dúvidas nenhumas que as mais emocionantes foram as vividas por vocês, pára-quedistas e os fuzileiros navais. Senão, atentemos nesta que nos descreves.
Quanto ao Ten.Cor.Paraqª.Araújo e Sá, tive a felicidade de conviver alguns momentos com ele, que me recorde, o último foi num voo para o Guileje. Partiu cedo.
Vamos então aguardar o teu novo “salto”.